quarta-feira, 17 de março de 2010

Oportunismos que não tolero, mais a mais, vindos de quem se diz de esquerda. Há pequenas coisas que definem as pessoas.

A propósito das presidenciais, duas certezas: não voto, não votarei nunca em quem, por actos ou omissões, seja uma pessoa de direita. De direita mesmo, e não porque se afirma de direita. Como não votarei numa pessoa porque se afirma de esquerda. Direita e esquerda continuam a contar ... na vida pessoal, como agimos no dia a dia, na forma como cada parte olha o mundo, tratam as desigualdades e as injustiças sociais ... ou como as querem resolver. Não voto, por isso em Cavaco Silva como não voto em Manuel Alegre. No primeiro por razões óbvias quem conhece o meu mundo. Em Alegre, podia escolher muitas razões, mas escolho esta, que é uma razão de ordem da ética pessoal: não confio numa pessoa que recorre a uma manobra manhosa e indigna para receber uma avultada reforma. Uma reforma correspondente ao cargo de coordenador da RDP, cargo que suspendeu em 1975 com a eleição para deputado, continuando contudo a descontar para efeitos de reforma, durante mais de 30 anos, concomitantemente com o exercício de deputado e no mesmo período, razão pela qual teve direito a uma reforma vitalícia de 3 219,95 euros que acumula com a reforma de deputado. Uma vergonha! Não, este homem não me convence, decididamente.


Mas esta introdução serve apenas de pretexto (ou o contrário) para lançar este extraordinário poema de António Gedeão. Também eu preciso de certezas ... ou sentir que tenho razão às vezes  ... mesmo quando não a tenho. Um desabafo, enfim.

Certezas, precisam-se

Preciso urgentemente de adquirir meia dúzia de valores absolutos,
inexpugnáveis e impenetráveis,
firmes e surdos como rochedos.

Preciso urgentemente de adquirir certezas,certezas inabaláveis, imensas certezas, montes de certezas,
certezas a propósito de tudo e de nada,
afirmadas com autoridade, em voz alta para que todos oiçam,com desassombro, com ênfase, com dignidade,
acompanhadas de perfurantes censuras no olhar carregado, oblíquo.

Preciso urgentemente de ter razão,
de ter imensas razões, montes de razões,
de eu próprio me instituir em razão.
Ser razão!
Dar um soco furibundo e convicto no tampo da mesa e espadanar razões nas ventas da assistência.

Preciso urgentemente de ter convicções profundas,
argumentos decisivos,
ideias feitas à altura das circunstâncias.

Preciso de correr convictamente ao encontro de qualquer coisa,de gritar, de berrar, de ter apoplexias sagradas em defesa dessa coisa.
Preciso de considerar imbecis todos os que tiverem opiniões diferentes
da minha,
de os mandar, sem rebuço, para o diabo que os carregue,
de os prejudicar, sem remorsos, de todas as maneiras possíveis,
de lhes tapar a boca,
de lhes cortar as frases no meio,
de lhes virar as costas ostensivamente.

Preciso de ter amigos da mesma cor, caras unhacas,
que me dêem palmadinhas nas costas,
que me chamem pá e me façam brindes em almoços de camaradagem.

Preciso de me acocorar à volta da mesa do café, e resolver os problemas sociais entre ruidosos alívios de expectoração.

Preciso de encher o peito e cantar loas,
e enrouquecer a dar vivas,
de atirar o chapéu ao ar,
de saber de cor as frequências dos emissores.
O que tudo são símbolos e sinais de certezas.
Certezas!
Imensas certezas! Montes de certezas!
Pirinéus, Urais, Himalaias de certezas!

António Gedeão - Certezas, precisam-se
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